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sábado, 3 de maio de 2014

Eu te vi no ônibus

        
   Eu estava sozinha quando te vi pela primeira vez. Não sozinha no sentido de não estar acompanhada naquele momento. Sozinha. No sentido de estar vazia, de estar num aglomerado de pessoas e se sentir invisível. Sozinha nesse sentido. 


   Você foi quem causou aquela parada brusca do ônibus, me inclinei para ver você abanando para o ônibus parar. Estava prestes a chover e era exatamente 18:15 de uma terça-feira. Era o pior dia possível, as nuvens sobrecarregadas de água e o céu se transformara numa completa escuridão. Então você entrou naquele ônibus e atravessou a catraca se segurando nas barras de metal fixas no teto daquele transporte público lotado. Foi então que eu percebi que todo o azul do céu estava nos seus olhos, todo o brilho das estrelas estava estampado naquele olhar lascivo. A curva mais linda e graciosa simplesmente esculpida no seu rosto, e todas as olhadas de relance foram suficientes para notar o quão bonito você era

  Tentei focar toda minha atenção na revista que estava lendo, até me perdi em meio a crônica de uma jornalista.  Você sentou do meu lado e ficou cada vez mais difícil prestar atenção no texto quando as curvas das ruas o vaziam encostar em mim. A primeira coisa que consegui ver pelo canto dos meus olhos foram seus joelhos e a sua calça jeans clara. Depois seu tênis all star branco surrado. Você cheirava à um perfume barato enjoado e muito doce. Seu perfume até me causou dor de cabeça, mas quem liga pra dor de cabeça quando você estava do meu lado. Não sou uma investigadora da vida, mas sem sombras de dúvidas você era um cara complicado de se entender e seu semblante mostrava o quão difícil foi seu dia.  Presumi que você estivesse voltando para casa depois de um dia exausto. 

  Mas então seu celular tocou, o som de uma banda de rock começou a sair dos alto-falantes. Descobri mais uma coisa sobre você em apenas dois minutos. Você começou a dizer que estava quase chegando,  que o tempo estava péssimo e era para a pessoa do outro lado da linha a esperar no ponto com um guarda-chuva grande. Deus, como sua voz era bonita. Suspeitei que você estivesse conversando com a sua namorada e provavelmente iria visitá-la em casa agora. De certa forma, fiquei frustrada pois estava adorando o fato de querer flertar com um total desconhecido. Não costumava pensar assim, então estava apreciando essa nova ideia. Pelo menos na minha cabeça. Céus, isso é tão idiota.

 De repente uma senhora já de meia idade, vestindo um sobretudo preto, seu pescoço enrolado em um cachecol da mesma cor, perguntou: 
— Você sabe se esse ônibus para perto do mercado Campos? — ela disse olhando apenas para mim.
— Não sei. — tentei responder da forma mais gentil possível. Talvez até minha sobrancelhas de juntaram em sinal de desculpas.
— Não sabe de nada. — ela retrucou ríspida e cautelosamente foi para a parte de trás do ônibus.
Percebo um calor se concentrando nas minhas bochechas. Estava totalmente vermelha — e constrangida.

Então você disse as seguintes palavras ''Até mais mãe''. E a hipótese de você ter uma namorada, acabou — e isso foi bom.
— Você não tem culpa de não saber. — e foram as primeiras palavras que você dirigiu diretamente a mim.
 Balancei a cabeça e contrai os lábios para que você compreendesse que eu concordava com isso. Não consegui nem olhar pra você. Isso não é flertar, pensei comigo mesma. E meu subconsciente começou a rir de mim.
 Até perdi a contas de quantas vezes coloquei aquela mecha de cabelo atrás da minha orelha, porque ela caia sobre meu rosto a cada freada e curva.  Fiquei imaginando se você também pensava alguma coisa e se sua cabeça estava fervilhando pensamentos aturdidos. Ou se era só eu, que pensava demais quando encostava a cabeça na janela do ônibus.
  
 E de repente minha mente foi invadida com milhares de pensamentos paranoicos. Você poderia me achar uma louca por mexer no cabelo a cada segundo ou por não virar a página da revista desde que você sentou ao meu lado. Poderia me achar uma louca por tamborilar com o polegar na perna. Ou simplesmente, poderia não estar prestando atenção em nada.
 Eu não sei porque, mas minhas melhores ideias surgem dentro do ônibus. E naquele instante estava imaginando a ideia de uma romance começar ali. Fiquei imaginando nós dois em um sábado a noite assistindo um filme de comédia romântica. Isso é tão ridículo. Me distraí imaginando um futuro que perdi você de vista quando o ônibus parou. Todos se empurrando para sair e então você saiu naquele terminal, se misturou a multidão e eu mal conseguia distinguir seu casaco.

 Aquela foi a primeira vez que a gente se viu. Mas especificamente que eu te vi. E até então achei que fosse a última. Era um quatro de julho de 2013, estava tão frio. Foi o dia que fiz uma prova de química e recebi a nota no mesmo momento. Nota seis para variar. Você vestia um casaco cinza listrado com toca atrás, seu cabelo era tão clarinho, mas com a luz amarelada daquele ônibus eles pareciam fios dourados cintilando. Meus cabelos estavam amarrados, mas vários fios soltos caiam sobre meu rosto — nessa época eu não soltava o cabelo por nada. Não tinha um dia sequer que eles ficassem soltos, a não ser, na hora de dormir. Eles eram uma mistura estranha de liso, ondulado e enrolado. 
  Você sumiu. 
  E eu me apaixonei por aquele dia. Não exatamente por você. Mas por aquele dia. Por aquela sensação.


  Era um dia qualquer na escola, estava sem aula e fiquei no pátio conversando com meus amigos.
  Eu olhei e logo reconheci.
  Definitivamente não era um dia qualquer.
  Você me encarou enquanto saia de uma das salas — o aluno novo que eu já conhecia, não tão bem quanto eu gostaria. Você se aproximou e sorriu. Sentou do lado do meu amigo e o cumprimentou    tínhamos um amigo em comum, se soubesse disso teria te procurado. Ficou diante de mim com aqueles olhos azuis. Fiquei contemplando você enquanto cochichava algo para ele. Então disse bem baixinho que nunca havia visto uma garota tão linda assim antes. 
 E então você murmurou para mim, olhando fixamente nos meus olhos:
— Prefiro você de cabelos soltos.
Você já havia me visto.
Apenas sorri.
                                                                                   

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