
''Hoje ao entardecer me olhei no espelho. Vi as marcas da idade estampadas no meu rosto, cada linha me lembrava uma dor, cada dobra formada pelo tempo me recordava um sorriso dado. Se for para ter marcas no rosto, que seja de tanto sorrir, pensava comigo mesmo quando jovem. Passei os dedos no meu cabelo já branco, porém continuava com o mesmo comprimento dos meus dezessete anos. Meus olhos não tinham o mesmo brilho e meu corpo não era cheio de vitalidade como antes. Minhas mãos já trêmulas mal conseguiam segurar a caixa empoeirada de parafernálias. Retirei de lá uma foto do colegial na qual eu estava com um sorriso largo no meio de várias pessoas. E eu me recordo do nome de cada um deles. Mas eles já não fazem mais parte do meu dia-a-dia. Engraçado como cada vida toma um rumo diferente, somos feitos de sonhos e cada um possuí um diferente no qual só o dono do sonho conseguirá lutar para conseguir. Já parou para pensar que só você pode lutar por ele?
Retirei uma presilha que ganhara de minha vó quando fiz meus tão esperados dezoito anos. Achei até um texto antigo que escrevi no último dia de aula de como sentiria falta daquilo tudo. Poderia escrever novamente e caberia as mesmas palavras, porém agora regadas com lágrimas. E por último, bem no fundo da caixa achei uma carta já amarelada devido ao tempo. Abri com todo o coitado do mundo, sem deixar o Parkinson estragar aquele momento. A carta estava inundada de palavras escritas com aquelas canetas-tinteiro antigas que borravam tudo, algumas palavras quase não conseguia distinguir. E no canto direito uma foto 3x4 de um moço bonito, trajado com roupas formais e com uma gravata borboleta bem colocada. Infelizmente a foto era preto e branco. O pior de tudo é que só tenho esta foto, e nunca ninguém saberá como eram os olhos azuis dele. Mesmo que eu tente explicar que parecia o céu azul límpido, que parecia o mar numa plena calmaria num dia de verão, jamais entenderão com exatidão como eles eram bonitos. Que belo par de olhos ele tinha. Tão bonitos para terem se fechados para a eternidade. E eles só permanecem abertos na minha memória.
A carta era uma despedida e trassava a personalidade confusa dele. Lembro que no dia que recebi a carta era dia 24 de agosto de 1954, as ruas carregadas de multidões devido as eleições e quem se tornara presidente do Brasil foi Café Filho. Cada detalhe daquela última carta carrego no peito junto com a lembrança dele.
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